domingo, 24 de novembro de 2013

QUEM SÃO AS BRUXAS DE HOJE?




Freud escreveu sobre a moral sexual dupla em seu texto de 1908: “MORAL SEXUAL CIVILIZADA E DOENÇA NERVOSA MODERNA”. Desde lá, é evidente que as sociedades sofreram transformações, bem como a moral sexual civilizada vigente. Nos interessa pensar, enquanto estudiosos da psiquê humana, de que forma as mudanças sociais mediam a constituição das subjetividades de nosso tempo.

Em seu texto, Freud é claro: aos homens e as mulheres é imposta uma moral sexual civilizada distinta. A moral dedicada as mulheres é mais restrita; o exercício das suas vidas sexuais é reservado exclusivamente ao casamento. Na época de Freud, de forma geral, os homens casavam com a mulher que seria a mãe de seus filhos, virgens por exigência, enquanto realizavam suas fantasias sexuais com as outras, nas casas de luz vermelha. 
Mas desde quando a moral sexual civilizada imposta as mulheres é mais severa? Segundo Lins, foi aproximadamente há 5 mil anos atrás que a maior parte das sociedades mundiais tornaram-se patriarcais.  Isso quer dizer que o poder legítimo, exercido em qualquer esfera, foi concentrado nas mãos dos homens. Nesse cenário, as mulheres passaram a ser objetos. Objetos de troca entre as famílias, sempre chefiadas por homens. A sexualidade da mulher passou então a ser controlada, vigiada e oprimida. A função das mulheres limitou-se ao gerenciamento do lar e a criação dos filhos. Deveriam ficar longe o suficiente do saber, da política, da cultura e das artes.
Nos textos de Freud, ele com frequência fala das feministas, pois em todas as épocas existiram, de fato, mulheres que não aceitavam o papel que as sociedades lhes ofereciam. E por isso, pagavam um preço, geralmente alto. (Que nos digam as bruxas queimadas vivas em praça pública na Idade Média) Seriam as feministas de cada tempo mulheres que possuem um complexo de masculinidade acentuado? Seriam histéricas? Seriam outra coisa?
No entanto, foi nos anos 60 do século passado que a situação das mulheres se modificou radicalmente. Com a segunda Guerra mundial, movimentos de contracultura floresceram no mundo. Houve o boom da Revolução sexual; foi inventada a pílula anticoncepcional, que separou definitivamente o prazer sexual das mulheres da reprodução. O movimento Flowerpower gritava: make love, not war! E os jovens cantavam: I can get no, satisfaction, but I try, and I try, and I try. (que quer dizer: eu não consigo me satisfazer, mas eu tento, e eu tento, e eu tento.)


Atualmente, na aurora do século 21, principalmente nos países de primeiro mundo, podemos observar o que Colette Soler, em seu livro O que Lacan dizia das mulheres, chamou de uma tendência unisex, ou seja, uma tentativa de homogeinização dos sexos, visando apagar a diferença sexual. As características que distinguiam o masculino do feminino estão se dissolvendo. A valorização da individualidade, projetada pelo Mercado, contribui com isso. É comum ouvir jovens dizerem: “não gosto de homem ou de mulher, gosto de pessoas.” O que isso quer dizer? O que Freud diria da moral sexual civilizada contemporânea? Uma questão para se refletir… 


domingo, 14 de julho de 2013

A LINGUAGEM SINGULAR DA MODA

 
 
Por convenção social não podemos andar pelados por aí. Em alguns lugares, por exigências naturais - pois faz muito frio, por exemplo -  em outros, por questões culturais - e este é muito mais o caso a ser tratado aqui - temos que cobrir os nossos corpos. Temos que esconder as nossas "vergonhas", enfeitando nossas estruturas biológicas com produções da civilização.
 
 
Em sociedade, qualquer escolha - mesmo a escolha de peças de roupas - passa a ser uma representação, uma forma de linguagem, o que possibilita o laço social. Nos identificamos, nos diferenciamos, nos transformamos, a partir das escolhas que fazemos.
O modo de se vestir - a moda - pode acontecer de forma massificada ou singular, assim como outros processos da subjetividade. E para algumas pessoas, isso não é e nem pode ser prioridade. Vestir-se, antes de mais nada, antes de qualquer capricho ou vaidade, é uma necessidade. Em muitos casos, veste-se o que se tem, ou o que se deve,  e essa é a realidade de um grande número de pessoas. Contudo,  isso  não deixa de ser uma linguagem que fala sobre a realidade social de determinado espaço-tempo, na qual os sujeitos estão inseridos.
 
 
Estar presa aos ditames da moda sempre me pareceu algo insensato e cansativo. As tendências mudam como o vento, e as pessoas parecem correr que nem loucas para se adaptar a elas. Penso que são as tendências da moda que devem dialogar com o estilo singular de cada pessoa.
 
 
Tenho o pensamento de que, em um mundo ideal, a filosofia da moda seria a de "poucas e boas". Na filosofia "poucas e boas ", possível em um mundo mais justo e consciente, as pessoas teriam um arsenal com roupas de boa qualidade, esteticamente belas e representativas, mas em pouca quantidade. Muita qualidade e pouca quantidade. Nesse mundo, repetir roupa não seria um problema, e sim uma marca de personalidade e estilo. Quando vejo algumas pessoas reclamando que "não querem repetir tal roupa", sinto um sentimento estranho. Quando gosto de uma roupa quero repeti-la ao máximo, pois foi por gostar dela, e me sentir bem nela, que a adquirí. E a repetição dela em mim a faz mais minha, cada vez que a uso ela se adapta mais ao meu corpo. É claro que isso tem um limite. Quando ela rasgar, ou ficar surrada, ela pode ter outro uso - posso usá-la em casa, ou para tomar banho de chuva, ou para fazer aventuras - ou posso pedir para alguém criativo, da área da moda, inventar algo legal para reconstruí-la. Posso também fazer um intercâmbio de roupas com minhas amigas e conhecidas.
 
 
Agora que cheguei nesse ponto, vou apresentar para vocês uma garota-mulher muito original, uma amiga nada previsível mas muito talentosa e divertida, que está inaugurando um blog sobre o universo criativo da moda. Senhorita Laís Giusti. Foi ela que, com o seu texto inaugural, me fez pensar sobre a função da moda em nossas vidas.
 
 
Acredito que será um sucesso, pois ela tem uma visão diferente, e não massificada, do que é, mas principalmente do que pode vir a ser a Moda, para cada pessoa.
 
Beijos mil.

domingo, 7 de julho de 2013

Como os franceses inventaram o AMOR?



O livro 'Como os franceses inventaram o amor' fala de uma forma bastante acessível sobre a construção cultural da idéia de amor, de romance e de paixão. A autora, Marilyn Yalom, viveu na França e nos Estados Unidos e trabalha estabelecendo relações entre as diferenças de se entender e viver o amor nesses dois países.  Estou adorando a leitura!

O foco do livro é o Amor na história da França. Como sabemos, a cultura francesa foi, durante muito tempo, a referência máxima em termos de arte e civilização no Ocidente. Na arte do amor, eles também produziram muito. Logo no começo do livro, Marilyn nos conta sobre as características que constituem a arte de amar francesa: o respeito a individualidade do parceiro, a valorização do mistério na relação, a importância dos segredos e do sexo. Ela usa uma metáfora: é como se uma relação amorosa fosse representada por dois círculos sobrepostos - existe uma parte que se encontra, mas existe outra que nunca se toca. 

Já nos Estados Unidos, a ênfase recai sobre a instituição da família e o papel social a ser realizado em um relacionamento. A posse do parceiro é "naturalizada" e a infidelidade condenada. Os segredos são vistos como falha de caráter. Em tal contexto, o mistério não encontra espaço e a individualidade autêntica é confundida com o individualismo compartilhado.

A uma bela mulher francesa - profissional bem sucedida e esposa de um homem público francês - perguntaram: "O que você sente a respeito do apetite sexual extra-conjugal do seu marido?" E ela respondeu: "Não me sinto ofendida, e na verdade, até me orgulho. Desde que ele ainda se sinta atraído por mim e eu por ele." A resposta é inesperada e chocante aos ouvidos mais conservadores, não é mesmo?

No início da Idade Média apareceu na história da França o Amor Cortês. Nele, os homens amavam e veneravam as mulheres, tratando-as como verdadeiras deusas encarnadas. Geralmente, as damas eram de uma classe superior aos homens apaixonados, e estes passavam a vida perseguindo o amor impossível. Naquela época, os casamentos eram arranjados e as pessoas não se casavam por escolha emocional... Homens e mulheres se dedicavam as artes trovadorescas do amor. Se fossem homens, eram trovadores, se mulheres, troibaritz. A Condessa de Die escreveu, expressando seu papel de dominadora:

"Meu bom amigo, tão agradável, tão belo, 
Quando eu o tiver em meu poder,
Dormindo com você a noite,
E puder lhe dar um beijo de amor,
Saiba que meu grande desejo
É ter você, e não meu marido,
Mas apenas se você prometer,
Tudo fazer conforme a minha vontade." 


O sofrimento era uma dádiva ao poeta amante. "Quero que o meu coração sofra de amor. Porque ninguém tem um coração tão fiel quanto o meu." Histórias de amores impossíveis, irrealizáveis, ideais, permearam a Idade Média e eram incentivados pela nobreza. Marie de France escreveu histórias em versos que disseminaram a idéia do fin amour. Não existia nada mais nobre do que o amor, e amar era sinal de nobreza, independentemente do status ou classe social. 

Veio então o Amor Galante, a galanterie, a arte de seduzir e conquistar. O romance e o amor exigiam  comportamentos que lhes atraíssem, e ser galante fazia parte da etiqueta; bem ouvir, bem fazer, bem dizer, bem amar. A galanteria começou na nobreza e se disseminou para as outras classes sociais. Os reis e príncipes podiam ter acesso a inúmeras mulheres; a oficial, as amantes, as cortesãs... Em 1678, Madame da La Fayette publicou anonimamente o livro A princesa de Cleves, um dos primeiros romances psicológicos escritos. Nele, uma princesa que não conhece o amor se sente atraída por um sedutor irremediável que tenta lhe seduzir. Ela resiste a sedução, pois entende que o homem galante nunca se satisfará com suas conquistas. "Confesso que as paixões podem me governar... Mas não podem me cegar... Eu veria você se comportar em relação a outra mulher como se comportou em relação a mim."



Enfim, a autora viaja através do tempo e nos guia em uma aventura que passa pelo Amor Trágico, pelo Amor Cômico, pelo Amor entre os Românticos, pelo Amor Republicano, pelos Existencialistas apaixonados, Pelo Amor entre os Homens, por Moliere, Rousseau, Rimbaud, Marguerite Duras, entre muitos outros amores e autores...Uma jornada e tanto!

Para concluir este texto, deixando as inesgotáveis questões e os enigmas do Amor no ar, cito Rousseau em Julie, ou A nova Heloísa: 

"Sim, minha amiga, estaremos unidos apesar de nossa separação, seremos felizes apesar do destino. É a união de corações que constitui a verdadeira felicidade."






terça-feira, 22 de janeiro de 2013

UM ENCONTRO DE ESTRANHOS





A vida é a arte dos encontros e dos desencontros. Me pego pensando, em diversos momentos, que a sabedoria de viver se encontra justamente aí: em saber fazer aí com os encontros e desencontros da existência.

Quando é que nos permitimos realmente encontrar alguém?

Não em um sentido superficial, mas em um sentido verdadeiro? Ir ao encontro significa que algo precisa ser deixado para trás, algo de mim tem que ceder para que se possa acessar o que não sou eu, o que é o OUTRO.

A arte de encontrar é a arte de amar, de dividir, de compartilhar experiências autênticas e enriquecedoras.  Mas, será que posso encontrar o outro se não sei quem sou? Se ainda não ME encontrei?

Talvez nunca nos encontraremos por inteiro, pois somos feitos de falhas, de pontos cegos; talvez apenas nos apreendemos por pontas. E quando compreendemos a nossa própria inconsistência, podemos aceitar a inconsistência do outro? As falhas do outro? Os limites do outro?

Muitos problemas relacionais se dão pois não aceitamos o outro como um ESTRANHO, simplesmente, como alguém radicalmente diferente de nós. Podemos ter muitas afinidades, mas o outro, por tudo que lhe constitui, é sempre radicalmente diferente, radicalmente OUTRO.  

Acontece que nos foi ensinado, desde a tenra infância, que devemos amar e respeitar os nossos semelhantes, e pode ser que seja essa uma das razões pelas quais temos tanta dificuldade em valorizar as diferenças.


E essa é a beleza da vida; encontrar o estranho e aprender com ele. Respeitá-lo, admirá-lo, observá-lo… Dançar com ele, pintar com ele, cantar com ele. Isso é viver com arte.

O homem e a mulher são estranhos um para o outro. Um ser humano é sempre um estranho para o outro ser humano. Somos estranhos vivendo em um mundo em comum, e é na contemplação das diferenças que uma nova forma de convivência pode surgir.

Uma forma criativa e apaixonante de se relacionar é sempre um encontro de estranhos. Apaixone-se, antes de mais nada, pelo estranho que habita em você.