Não tive (interesse, paciência, desejo, tempo, qualquer desculpa, etc) de ler o livro '50 tons de cinza' mas não pude resistir a curiosidade de conferir nos cinemas sobre o que se tratava o enredo que fascinou milhões e milhões de mulheres no mundo (que compraram o livro como se fosse água ardente).
O que encontrei? Talvez um dos maiores clichês imagináveis
sobre sexualidade e relacionamento humano.
Um homem; rico, poderoso, jovem, bonito, com mania de
controle, possessivo, e sádico. Segundo ele, um dominador. Uma mulher; não
rica, jovem, bonita, virgem, com relativa abertura para ser controlada e submissa.
Em pleno século 21, quase meio século depois da Revolução
sexual, da chamada “independência da mulher”, observamos uma estória como '50
tons de... clichês’ causar tanto alvoroço entre as próprias mulheres que, juntos
com os homens, enfrentam as árduas batalhas da vida – em casa ( na divisão das
tarefas e contas), no trabalho, nas festas, e nos quase infinitos afazeres do nosso mundo
globalizado.
Fico aqui pensando... E a sexualidade, que é o que cada um
tem de mais próprio e singular, como se relaciona com essas tantas mudanças que
enfrentamos nas relações entre homens e mulheres ?
O que o sucesso de '50 tons’ parece apontar é que, apesar de
vivermos transformações fundamentais na relação entre os sexos, algumas
questões ainda permanecem muito vivas no desejo que circula entre eles.
O homem poderoso e sexual, a mulher vulnerável e apaixonada.
Ele sente prazer em causar dor nela, ela sente prazer com a dor que ele lhe
causa. A clássica dupla dinâmica sado – masoquista.
Um contrato onde ele propõe todas as regras da relação e ela
pode escolher entre assinar ou não. Em troca: luxo e comodidades sem fim.
O sucesso de '50 tons' me faz pensar que cinza mesmo está a vida erótica de muita gente. Não digo isto em termos de quanto sexo as pessoas estão fazendo, de quantos corpos estão consumindo. Pode-se fazer muito sexo, até mesmo compulsivamente, e ter uma vida erótica (digo fantasística, imaginativa, criativa) muito podre. Muitas pessoas com uma vida erótica cinza e não colorida, digamos assim.
Sigmund Freud, considerado um machista por muitos (apesar de ter fundado a Psicanálise a partir das mulheres e para dar voz e ouvido a elas), escreveu
textos que me parecem importantes para pensar sobre a temática . ‘Bate-se
numa criança’(1919) e ‘O problema
econômico do masoquismo’(1924), para citar alguns. Sim, Freud afirma que o masoquismo é
feminino, mas para ilustrar o masoquismo, aborda casos de pacientes homens. Porque
para Freud, ser feminino é uma qualidade que pode ser encontrada tanto em
homens quanto em mulheres. Ser objeto,
passivo, é sinônimo de ser feminino. Ser ativo, sujeito, quer dizer ser masculino.
Acontece que o filme ’50 tons’ apresenta o clichê da mulher
feminina e dominada e do homem masculino
e dominador, sem nenhum tom de criatividade. Me parece que quanto menos criatividade temos, mais necessidade sentimos de nos agarrarmos a modelos e padrões pré- estabelecidos. A clichês.
Na minha singela
opinião, quem teve a oportunidade de ver o excelente trabalho de Lars Von Trier
em Ninfomaniáca deve ter dormido de tédio ao longo dos jogos sexuais
supostamente fetichistas e pouco eletrizantes propostos pelo protagonista Christian
Sei lá Quem.
Pois é... Arte e
produto de massa podem às vezes se encontrar. Mas, muitas vezes, e quem sabe na
maior parte delas, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
A arte aponta
para o novo, abre o sujeito para novas
possibilidades de pensar e viver o mundo. E o produto de massa, o que propõe? O
consumo compulsivo e com 50 tons de cinza do mesmo, arrisco dizer.
A Arte de Lars Von Tier