Na entrada da biblioteca da PUC um cartaz
me chamou atenção. Dizia: A etnografia
do rolezinho - consumo, marcas e periferia. Abaixo, a foto bem produzida de uma
mulher bonita, jovem e sorridente. Achei curioso. Ao lado, as informações: Rosana
Pinheiro Machado, professora de antropologia do desenvolvimento da Universidade
de Oxford. Pelo tema contemporâneo e
pela palestrante, fiquei instigada em ir conferir. E lá fui eu.
A partir da fala da Rosana, vou comentar
algumas coisas que aprendi sobre o tema...
Ela começa falando da importância de
integrar a academia com a sociedade/a mídia/os estudantes/etc. Concordo. Um
discurso teórico centrado em si próprio, fechado em si mesmo, apenas
compreensível para os especialistas da área, contribui de forma muito limitada
para o desenvolvimento da cultura e da civilização. Limita, e muito, o seu uso
prático pelas diferentes realidades. Segregando o saber, segrega-se o poder, as
classes, os gêneros, as raças e tudo mais.
O saber precisa ser acessível!
A cientista aponta que o fenômeno do
rolezinho trouxe a tona de maneira paradigmática uma marca da sociedade
brasileira: a segregação. Ricos e pobres não se misturam. Brancos e negros não
andam juntos. “O rolezinho deixa claro o apartheid brasileiro.” Afirma.
Rolezinho é política? Em um alargamento do conceito de política,
sim, é. “Nós só queremos nos divertir.” Dizem eles. Mas apenas “se divertir” se torna um ato
político se milhares de jovens vão juntos para um shopping e são reprimidos
pela segurança do local. Se isso vira notícia. Se isso quebra o fluxo da
normalidade. Se isso diz alguma coisa para além do que acha que está dizendo.
“Nós só queremos nos divertir.” Será mesmo?
Os rolezinhos fazem parte de um fenômeno
maior que se chama ‘bondes’. Bondes são gangues juvenis formadas por jovens de
camadas sociais desfavorecidas. De dia, rolezinhos, de noite, bailes funks. Nos
rolezinhos, os meninos vão na frente, vestidos com marcas de luxo, e as meninas
vão atrás. Para elas, não é tão importante o uso de marcas. “Quanto mais marca,
mais mina.” Dizem eles. “As mina tem peito e bunda, a gente só tem marca.”
Outra pérola. Rosana observa que, nesse movimento, as mulheres são também tratadas
como mercadoria.
Rosana introduz que Marx já falava sobre o
fetiche da mercadoria. Nas sociedades capitalistas, os produtos possuem
“magia”. A mais valia das marcas, nesse
contexto, é infinita. O marketing do amor.
Marqueteiros estudam meios de fazer com que os consumidores se
apaixonem, e realmente amem, o produto consumível. Na era pós-moderna, onde os
valores tradicionais se descontroem, as marcas adquirem um valor religioso. Fala, ainda, que antropólogos que estudam o
tema e pesquisam junto a CEOs de multinacionais, revelam que o objetivo é que o
sujeito se apaixone pelo símbolo, pela marca, e que o produto em sí tenha cada
vez menos valor.
O depoimento de uma entrevistada
surpreende: “Tenho 12 filhos e não posso dar educação, carro, casa para todos.
Dou roupas caras, é o melhor que posso oferecer.”
De fato, quem estuda a pobreza, sabe que
ninguém se acha pobre. Comenta. A riqueza é relacional. É relativa. É reativa.
A maior parte dos produtos de marca ostentados pelos jovens do rolezinho não
são roubados por eles. Eles guardam tudo
o que podem para poder ter um símbolo da nike. Eles compram de quem rouba.
As marcas de luxo entram em desespero.
Pessoas pobres e negras usando os produtos especialmente desenhados e moldados
aos gostos dos ricos e brancos. Isso desvaloriza o produto, a imagem, o
conceito. A Armani, foi a única marca de luxo que abusou do fenômeno de forma
inteligente. Desenvolveu uma coleção especial para o rolezinho. Assim, não
desvaloriza as outras coleções – destinada aos ricos e poderosos - e ao mesmo tempo, não faz pouco caso a paixão por marcas luxuosas da classe C brasileira.
Nos outlets de Miami, todos os dias,
brasileiros fazem rolezinhos em buscas de objetos de marcas de luxo em
promoção. As vendedoras comentam: “esses brasileiros são uns desesperados”.
Desses rolezinhos ninguém fala nada.
Os rolezinhos são uma tentativa de
inserção social, das camadas excluídas,
através do consumo. Em uma realidade de violência estrutural, onde há a
negação das necessidades mais elementares para um desenvolvimento digno, parece ser uma opção possível, e também,
bizarra.
Enquanto não lhe forem oferecidas outras
formas de riqueza, como a riqueza simbólica via uma educação de qualidade, por exemplo, os
produtos de marcas de luxo, oferecidos em verdadeiros bombardeios pelas mídias como
símbolos de poder e realização, serão alvos do desejo.
Abaixo, o site da palestrante, que por sinal, é premiadíssima. Vale a pena conferir!
http://www.rosanapinheiromachado.com.br